Créditos: Renata Vilella
O que aconteceria com o Brasil se de repente, cerca de 5 mil sistemas que controlam o Estado parassem de funcionar de uma hora para outra? Essa é uma reflexão que os fundadores da Campanha Salve Seus Dados – criada por funcionários da Dataprev e do Serpro que atuam voluntariamente – buscam que a sociedade conheça para que saibam da importância da informática pública para o País.
O número citado não é aleatório; juntas, a Dataprev e o Serpro – empresas públicas federais de tecnologia da informação – são responsáveis por esses mais de cinco mil sistemas e mais: são as guardiãs de dados pessoais e sensíveis de todos os cidadãos, das empresas brasileiras e do próprio Estado. Mesmo assim, ambas estão na mira da sanha privatizadora do governo Bolsonaro desde 2019.
Buscando dar mais visibilidade ao tema, a Campanha Salve Seus Dados foi lançada oficialmente na manhã desta segunda-feira (27) na Câmara dos Deputados. O evento ocorreu na Comissão de Educação em atendimento ao requrimento do deputado federal Professor Israel Batista (PSB-DF), que afirmou que a segurança dos dados e a discussão sobre a sua guarda tem importância fundamental para todos: “Esse tema tem a ver com o Projeto de Lei da Política Nacional de Educação Digital, cujo relatório já está pronto, contou com ampla participação da sociedade e deve ser votado em breve”, pontuou.
O que está em risco, segundo a Campanha
De acordo com Leo Santuchi, funcionário da Dataprev e presidente da Associação Nacional dos Empregados da Dataprev (Aned), apesar do lançamento da campanha ter ocorrido hoje, os funcionários das empresas vêm trabalhando voluntariamente há pelo menos três anos na divulgação dos riscos que o País corre com as privatizações. Riscos que giram em torno da guarda e tratamento de cinco áreas principais, como explicou Santuchi: Seguridade Social, Estado e Defesa, Empresariais Públicos e Tributários e Pessoais.
No site da campanha, os funcionários das empresas – que são especialistas no tema – explicam nitidamente o impacto em cada uma das áreas. Alguns exemplos práticos, segundo eles, são o atraso do pagamento de aposentadorias, a impossibilidade de importar e exportar produtos, a desorganização da fila de recepctores de órgãos e a quebra do sigilo de dados de Segurança Pública.
Deivi Lopes Kuhn, representante dos trabalhadores no Conselho de Administração do Serpro, aprofundou ainda mais a questão: “A relação entre o Estado e o indivíduo é diferente da relação entre o consumidor e as empresas. Na publicidade, podemos escolher não fornecer nossos dados; para o Estado não. Por isso precisamos que o Estado garanta a segurança da guarda desses dados”, afirmou.
Salve Seus Dados: a privacidade digital é cada vez mais importante
Os brasileiros e o Brasil já têm muito a perder hoje com a privatização da Dataprev e do Serpro, mas em longo prazo a situação pode ser ainda pior segundo os especialistas.
“As duas empresas tem know how na área de TI que são exemplos para o mundo”, afirmou Vera Guasso, representante da Frente Nacional dos Trabalhadores em Informática (FNI). A especialista relembra dois produtos importantes, um de cada empresa, que atendem milhões de cidadãos: o Auxílio Emergencial, desenvolvido a toque de caixa pelos funcionários da Dataprev, e a declaração pré-preenchida do Imposto de Renda, desenvolvida pelos trabalhadores do Serpro. Ambas soluções, segundo Guasso, são observados pelo mundo inteiro pelo pioneirismo e qualidade: “São empresas de alta tecnologia com trabalhadores e trabalhadoras muito capacitados”, observa. Soluções adequadas para um mundo cada vez mais digital.
Já Reinaldo Melo Soares, diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Informática, Processamento de Dados e Tecnologia da Informação de Pernambuco (Sindpd-PE), pontua que os dados são uma importante fonte de lucro para empresas. “Os dados podem ser usados para a geração de lucros por meio da publicidade e até mesmo para otimizar os lucros, como no caso de seguradoras ou planos de saúde que podem passar a não aceitar clientes baseadas no perfil de saúde de cada indivíduo”.
Capitalismo de vigilância e política: os dados podem alterar o rumo das democracias
“A análise de dados pode ser usada para mudar o rumo de democracias. Isso é debatido no mundo todo e nós precisamos discutir também”, afirma Melo Soares. E, para discutir a importância dos dados, nada melhor do que os trabalhadores da área, principalmente os trabahadores de empresas públicas, que não têm interesses pessoais em jogo.
Essa é a opinião de Rosane Cordeiro, diretora do Sindicato dos Empregados em Empresas de Processamento de Dados, Serviços de Informática e Similares do Estado de Minas Gerais (Sindados-MG). “Os trabalhadores conhecem os produtos desenvolvidos e empresas e sabem o porque elas não podem ser privatizadas”, opina a especialista. No mesmo sentido, Cordeiro afirma: “A Campanha joga luz a essa certeza dos trabalhadores tornando as informações públicas, acessíves à população”.
O representante dos empregados no Conselho de Administração da Dataprev, Venício Dantas, se estendeu na explicação da relação entre o avanço tecnológico e o risco que isso pode provacar à democracia. “O novo modelo de negócios das empresas privadas consome dados para entregar serviços. Mas eles podem ser usados para entregar ideias. E, é possível usar esses dados para manipular as pessoas colocando em risco a democracia”, explica.
“Atualmente, a falta de privacidade digital mata mais do que terrorismo segundo estudos da professora de Oxford, Carissa Véliz”, informa Dantas. O custo de entregar para a inciativa privada dados tão sensíveis do povo brasileiro pode ser mais alto do que os lucros que os governos de ocasião pretendem auferir.
Problemas políticos, econômicos (somente a Dataprev processa 8,1% o PIB nacional), legais – já que a privatização das empresas fere a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, além da Lei de Segurança Nacional – e até internacionais – diversos especialistas apontam a perda da soberania nacional decorrente da privatização – podem ser muito mais custosos ao Brasil do que o lucro de alguns bilhões e os interesses pessoais de quem trabalha diariamente para a privatização.
As empresas foram convidadas mas não vieram para o debate.