Outros riscos da privatização

Outros Riscos
Da Privatização

Outros Riscos da Privatização

Dado o papel estratégico da Dataprev e do Serpro, a criticidade dos dados que elas guardam, a importância dos sistemas que elas mantêm, e a sua relação de parceria com o Estado, muitos são os riscos aos quais o país e os brasileiros estarão suscetíveis com a privatização delas.

  • Suspensão de serviços críticos devido a atrasos de pagamento

Atrasos de pagamento pelos serviços, que ocorrem, poderiam não ser tolerados por uma empresa privada, tendo o potencial de causar interrupções em serviços essenciais para a população e até o não-pagamento de benefícios, impactando diretamente na sobrevivência de vários cidadãos e de municípios brasileiros, que são dependentes da renda de sua população.

  • Perpetuação de uma empresa privada no controle de serviços do Estado

Terminado o contrato entre o governo e uma empresa privada, os sistemas e bases de dados podem passar para outra empresa. Esta passagem, entretanto, é extremamente complexa e a sua execução ameaça a continuidade dos serviços.

Devido a esta dificuldade, a tendência é que uma empresa se perpetue na manutenção desses serviços, criando um monopólio de mercado, e o governo fique refém dela. Assim, o preço que esta empresa cobrará aumentará desproporcionalmente com o passar do tempo e o governo, sob o risco de paralisação de sistemas essenciais, não terá outra opção que não seja aceitar e pagar em dia.

  • Aumento de custos para o Estado

Algumas contratações que já foram tentadas pelo Estado ou naufragaram ou tiveram custos e prazos aumentados. Para resolver isso, ele recorreu à Dataprev, pois o comprometimento prioritário dela é com a manutenção dos serviços, e não com o lucro.

A relação da Dataprev com entes de governo não é comercial. Um serviço é ocasionalmente refeito várias vezes sem custos extras. Numa empresa privada, onde o objetivo central é o lucro, situações que ocorrem hoje na relação da Dataprev com o Estado poderiam gerar mais gastos.

  • Necessidade de reestatização no futuro

De acordo com o Transnational Institute[1],  desde 2000 ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo, inclusive em países importantes para o capitalismo mundial, como Estados Unidos e Alemanha. Ainda segundo o instituto, isso aconteceu porque empresas privadas, que naturalmente dão enfoque ao lucro, estavam entregando serviços ruins e caros.

No Brasil, na área de tecnologia da informação, esta necessidade de reestatização de certa forma já ocorreu em uma situação envolvendo a Dataprev, como visto no caso da Datamec. Entretanto, a reestatização de sistemas e bases de dados hoje administrados pela Dataprev e pelo Serpro seria ainda mais complexa e custosa do que o processo de duração de 4 anos conduzido para os sistemas da Datamec, uma vez que a quantidade de serviços mantidos por Dataprev e Serpro é significativamente maior.

  • Folha de Pagamento dos Benefícios Previdenciários Pode Sair das Mãos do Estado

A responsabilidade pelo pagamento dos aposentados e concessão de benefícios sairia das mãos do Estado, podendo inclusive ficar sob o controle de uma empresa estrangeira, deixando a população e o Brasil reféns de interesses alheios aos do país e fragilizando a soberania da nação.

  • Planos de saúde mais caros e ofertas de emprego negadas

Informações sobre auxílio-doença poderiam ser usadas por planos de saúde para cobrar mais do cidadão caso ele tenha um histórico com muitas licenças médicas. Por sua vez, empregadores poderiam usar o mesmo dado para negar uma oportunidade de emprego a alguém que frequentemente precisa se ausentar por motivos médicos.

  • Uso de dados para interesses alheios aos do cidadão

Ao serem vendidas, o modelo de negócio da Dataprev e do Serpro mudará. Hoje focadas em atender o cidadão e ser parceiras do Estado, tendo as necessidades sociais do país em primeiro lugar, a atenção de ambas se voltará para o lucro e a relação delas com o Brasil passará a ser meramente comercial.

Com isto, na busca pela maximização do lucro, haverá sempre o perigo de que elas venham a usar os dados e sistemas que guardam para interesses alheios aos da população e do Brasil, tentando extrair o máximo de riqueza daquilo que possuem: os dados.

  • Fragilidade da Lei Geral de Proteção de Dados

A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) tem itens muito frágeis, e é ainda imatura na sua aplicação. Ela permitirá que uma empresa privada, por exemplo, uma vez com acesso aos dados, faça o que quiser desde que eles passem pelo processo de anonimização[2].

A anonimização, entretanto, não basta para garantir que os dados serão usados para o bem do cidadão, do Estado, e para a manutenção da soberania do país. Com este processo, pode-se não atingir um indivíduo específico, mas é possível atingir grupos geográficos, etários, sociais etc., assim como depreender conhecimento poderoso.

Ainda, é comum que a autorização para uso de dados pessoais fique escondida em longos Termos de Uso que são frequentemente ignorados pelos usuários, que declaram ter lido e aceito as condições sem ter se debruçado sobre o seu conteúdo.

Finalmente, o valor da multa aplicada não se equipara aos lucros obtidos com o mau uso dos dados.

  • Danos à competitividade das empresas

Juntas, as bases de dados guardadas por Dataprev e Serpro possuem diversos dados sobre todas as empresas do país: quanto elas faturam, quanto elas pagam a seus empregados, quais bens elas importam e exportam e por quais preços, e muito mais. Com Dataprev e Serpro controladas pelo Estado, esses dados são usados somente para fins estatais.

Ao passarem para a iniciativa privada, um grupo pequeno de empresas deterá todos esses dados sobre todas as suas concorrentes, o que permitirá a utilização dessas informações em guerras comerciais que podem minar a competição e o livre mercado.

  • Diminuição da independência tecnológica do Brasil

Em uma época em que tecnologia e inovação são palavras-chave, o Brasil ainda patina em ambas as áreas, tendo ficado na 66ª posição no Global Innovation Index de 2019[3], e muitos são os que apontam essa deficiência como fator determinante para a posição econômica do país. Neste sentido, a Dataprev é um ponto fora da curva. Como demonstrado pela participação da empresa como força motriz da transformação digital que o governo está implantando, a Dataprev tem funcionários altamente qualificados em suas áreas de especialização que trabalham para produzir tecnologia que melhora a vida da população. Ela é uma fábrica de inovações feitas por brasileiros que transformam a vida de seus compatriotas.

O alcance da empresa, na verdade, vai até além das fronteiras do Brasil, pois como demonstrado pela exportação do software Cacic e pelas cooperações internacionais firmadas pela empresa (com países como Alemanha, Moçambique e Angola), o trabalho desenvolvido pela Dataprev desperta interesse fora do Brasil.

Vender a Dataprev e deixá-la, potencialmente, na mão de capital internacional é abrir mão dessa posição; é deixar de produzir tecnologia transformadora e essencial para o Estado; é a retirada do governo do papel de protagonista de sua própria revolução digital; é a perda de capital intelectual dedicado exclusivamente ao cidadão; é o Brasil abandonar a inovação da qual tanto precisa para avançar economicamente.

  • Perda da Experiência Acumulada Pelos Empregados da Dataprev Sobre os Complexos Serviços de Tecnologia Providos Pela Empresa

A Dataprev codifica e administra um Extrato Previdenciário que subsidia a concessão (ou não) das aposentadorias. Essa codificação requer experiência, entendimento sobre regras de prevalência, buscas em bases legadas complexas etc.

Os funcionários da empresa adquiriram, ao longo dos anos, conhecimentos valiosos para a manutenção deste serviço e de muitos outros. Os funcionários de uma empresa privada, por mais capacitados e competentes que sejam, não terão esta experiência sobre os sistemas do governo desenvolvidos e mantidos pela Dataprev.

A expertise necessária para melhoria dos serviços tecnológicos requer afinidade as demandas sociais dos cidadãos tanto quanto conhecimento profundo nas peculiaridades de cada sistema para os recursos disponíveis. Expertise esta que não se adquire em meses sem colocar a população como cobaia de serviços experimentais.

Isso gera um risco tanto para a manutenção deles quanto para a continuidade do provimento dos serviços à população.

 

[1] Uol – Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo – https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo. htm

[2] Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm

 

[3] Global Innovation Index – 2019 Report – https://www.globalinnovationindex.org/gii-2019-report